Transtornos Mentais: de onde vêm?
- jobssaudemental
- há 2 dias
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Os transtornos mentais ainda despertam muitas dúvidas, especialmente sobre como surgem e por que algumas pessoas desenvolvem sintomas enquanto outras, expostas às mesmas situações, não apresentam nenhum quadro. Por muitos anos, acreditou-se que esses transtornos tinham apenas origem psicológica ou ambiental. Em outros momentos, o foco recaiu quase exclusivamente na biologia. Hoje, porém, a ciência já demonstra com clareza que transtornos mentais resultam da combinação entre predisposições biológicas, fatores ambientais e processos psicológicos, todos interagindo de forma dinâmica.
1. O que exatamente são transtornos mentais?
Os transtornos mentais são condições que causam alterações significativas no modo como a pessoa pensa, sente ou age. Essas alterações provocam sofrimento e podem prejudicar o funcionamento em áreas importantes como trabalho, relações, sono, autocuidado e desempenho acadêmico.
Segundo diretrizes internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o DSM-5-TR, essas condições envolvem uma combinação de:
Alterações emocionais (ansiedade, tristeza intensa, irritabilidade);
Mudanças cognitivas (padrões de pensamento, crenças, memória, atenção);
Comportamentos disfuncionais (evitação, impulsividade, retraimento);
Impacto significativo na rotina e na qualidade de vida.
Em outras palavras, não se trata apenas de “estar triste” ou “estar estressado”, mas sim de um conjunto de sintomas persistentes que ultrapassam a capacidade habitual de enfrentamento.
2. A genética importa — mas não determina o destino
A genética exerce um papel relevante na vulnerabilidade a transtornos mentais. Pesquisas em genética comportamental mostram que existe uma herdabilidade (probabilidade de um transtorno ser influenciado por fatores genéticos) significativa em diversas condições.
Por exemplo:
Transtorno bipolar e esquizofrenia apresentam altas taxas de herdabilidade.
Depressão e transtornos de ansiedade têm herdabilidade moderada, indicando influência genética e ambiental mais equilibrada.
Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) também apresenta forte componente genético.
Mas é fundamental esclarecer: genética não é destino. Ter predisposição não significa que a pessoa necessariamente desenvolverá um transtorno. Genes funcionam mais como um “terreno” fértil — e não como uma sentença. Eles aumentam a sensibilidade a certos fatores, mas raramente explicam o quadro por completo.
3. O ambiente molda, intensifica ou neutraliza vulnerabilidades
Os fatores ambientais são tudo aquilo que envolve as experiências de vida. Eles podem funcionar como proteção ou como risco.
Entre os mais estudados estão:
• Estresse crônico
Carga de trabalho excessiva, prazos constantes e ausência de descanso prolongado podem aumentar a vulnerabilidade a transtornos ansiosos e depressivos.
• Relações familiares e sociais
Ambientes marcados por conflito, violência ou abandono aumentam o risco de problemas emocionais. Por outro lado, vínculos seguros e redes de apoio funcionam como proteção.
• Experiências adversas na infância (EAI)
Estudos robustos mostram que traumas precoces — como negligência, abuso ou perdas significativas — estão associados a maior probabilidade de desenvolver transtornos na vida adulta.
• Fatores socioeconômicos
Desigualdade, pobreza, insegurança alimentar e condições de moradia precárias não apenas elevam o risco de estresse e adoecimento emocional, como dificultam o acesso a serviços de saúde.
• Estilo de vida e comportamentos
Uso de álcool e drogas, privação de sono, sedentarismo e má alimentação podem atuar como gatilhos ou agravantes.
O ambiente, portanto, não apenas influencia se um transtorno aparecerá, mas também como ele se manifesta.
4. O ponto central: a interação entre genes e ambiente
A ciência já não observa genética e ambiente como componentes isolados. Eles formam um sistema integrado. É o que chamamos de interação G×E (gene × environment).
Isso significa, na prática, que:
Pessoas com a mesma predisposição genética podem reagir de formas completamente diferentes dependendo de suas experiências.
Certos eventos estressantes podem “ativar” vulnerabilidades que estavam silenciosas.
Fatores protetivos — como boas relações, psicoterapia, rotina saudável e suporte emocional — podem neutralizar riscos mesmo em pessoas predispostas.
Uma forma simples de explicar: os genes preparam o terreno; as experiências definem o que cresce ali.
É também por isso que duas pessoas expostas à mesma situação podem ter respostas emocionais totalmente diferentes.
5. Como a Psicologia, especialmente a TCC, compreende esse fenômeno
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), alinhada com evidências neurocientíficas contemporâneas, entende os transtornos mentais como resultados de:
vulnerabilidades biológicas (genéticas e neuroquímicas);
história de aprendizagem (experiências de vida, relações, traumas);
padrões cognitivos (crenças, interpretações, estratégias de enfrentamento);
comportamentos que mantêm o sofrimento (evitação, ruminação, impulsividade).
Ou seja, mesmo quando existe predisposição genética, são os padrões aprendidos e os significados atribuídos às experiências que são trabalhados e transformados no processo terapêutico.
Esse entendimento torna o tratamento mais humano, realista e menos estigmatizante.
6. O que essa visão integrada muda na prática?
Compreender que transtornos mentais têm múltiplas causas é libertador e concreto ao mesmo tempo.
● Reduz estigmas
Não se trata de caráter, força ou falta de controle. Trata-se de um fenômeno complexo que envolve corpo, mente, história e contexto.
● Mostra que existe tratamento
Se há múltiplos fatores, há múltiplos pontos de intervenção: psicoterapia, medicação quando indicada, mudanças de estilo de vida, suporte social, manejo de estresse, psicoeducação.
● Ajuda a identificar riscos precocemente
Quanto mais cedo se reconhece vulnerabilidades, mais cedo se fortalece a prevenção.
● Devolve responsabilidade sem culpa
Não é “culpa” da pessoa, mas há caminhos para construir mudança — e isso devolve autonomia.
Transtornos mentais não surgem de um único fator. Eles são fruto de uma combinação complexa entre biologia, ambiente e história emocional. Entender essa interação é fundamental para enxergar a saúde mental de forma mais cuidadosa, realista e humana.
Informação gera clareza. Clareza cria consciência. E consciência abre caminho para prevenção, cuidado e tratamento consistente.






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